19 dezembro, 2016

Ela


                                                    "E um rio carregado de saudade vem correr na minha veia"
                                                                                       (Cordel do Fogo Encantado)

Ela chegou com a mesma força de sempre.

Chegou e me pegou desprevenida
com o coração mole
com as lembranças aquecidas
no forno da memória.
Com as pernas bambas
e os olhos perdidos
numa vontade de me fazer parecer forte.

Saudade é o nome dela.

Estragos é o que ela faz.

11 setembro, 2016

Não há vagas (?)

Falo sempre sobre idas, sobre partidas e chegadas porque a vida é feita (também) delas. A minha certeza de ontem, a cara de criança, alguns medos e algumas pessoas se foram.

Sentimentos, pessoas, pensamentos, dúvidas, medos, anseios chegam, mas, a qualquer momento, podem partir. Isso nós sabemos, mas o difícil é entender essa lógica (ou filosofia) das idas e vindas da vida.

Algumas coisas que chegam até nós não nos prendem tanto. Fica até fácil praticar a lei do "fique à vontade para ir". Outras, pelo contrário, nos custa - e nos machuca - o ato de desapegar. Sabemos que nada é permanente, mas gostaríamos que algumas pessoas e coisas fossem.

Às vezes, aquilo que parte deixa saudade, rancor, mágoa, lágrimas, boas lembranças.

Deixam espaços que podem permanecer vazios por algum tempo... Mas não queremos nos sentir vazios. Queremos estar cheios. Em certos momentos, estamos tão ansiosos que os lugares vazios nos inquietam, incomodam. Nós queremos estar sempre lotados, mesmo que não comportemos a lotação. Nessa hora, transbordamos porque temos um limite. Essa é a hora de deixar ir. Deve haver alegria nas idas.

E, também, na chegada. Não falo daquela que aparece só para preencher um espaço, mas sim daquela que completa. Porque da mesma forma que há partidas que doem, algumas chegadas corroem. Às vezes, nós praticamos a dor e a corrosão.

O segredo é aprender a conviver com o copo meio vazio e com o meio cheio. E, pelo que sei, isso vai continuar a ser um segredo.

05 fevereiro, 2016

As goteiras da minha casa

Minha vida é um telhado com goteiras. Nem adianta tentar fechar as brechas. Às vezes, funciona trocar as telhas, mas elas só resistem por um tempo. Depois de algumas ventanias, elas saem do lugar e os espaços reaparecem.

Não acho que isso seja ruim, na maioria das vezes. Por esses pequenos lugares que, a princípio, não deveriam existir, entram flechas de luz que me acordam pela manhã e para a vida. Em alguns momentos os pequenos raios de sol tomam conta do meu rosto; outras vezes, eles chegam de mansinho, afagam como quem faz carinho. O resultado é o mesmo, o que muda é o processo.

Quando não é sol, é chuva. Frias gotas d'água me fazem companhia, saltam no meu rosto como quem brinca. 

Seja sol ou chuva, meu telhado, cheio de remendos, revela as falhas que carrego comigo.

As goteiras da minha casa são minhas, não as renego. Elas são parte de mim. Me organizo e desorganizo. Vivo num eterno ciclo de reconstrução. Até quando minhas falhas se tornam mais evidentes, é possível encontrar algum proveito.

Para quem não pode dormir com janela aberta, aquela pequena brecha entre as telhas é o que me permite ver o céu numa noite clara.