16 novembro, 2015

Não sei lidar com declarações

Da forma mais inusitada, em um chat, eu descobri que sou a mulher da vida de alguém. Eu li a frase, mas com aquela intensidade de quem ouve: "você é a mulher da minha vida!"

Como já era de se esperar, vários sentimentos se apossaram de mim; minha mente relembrou um passado, meio remoto meio sórdido; minha perplexidade tomou dimensões inesperadas.

Há tantos anos eu esperava ouvir algo desse tipo. Nos meus sonhos mais esperançosos, eu criava situações nas quais ele me dizia que eu era a mulher da vida dele. Ao mesmo tempo, eu imaginava qual seria a minha reação, tamanha seria a surpresa e a felicidade ao saber disso.

E ele ainda disse mais: "Você é a mulher a minha vida! Eu nunca te esqueci desde aquele dia!"

Isso já era demais para mim. Além de tudo, eu ainda sou inesquecível? A sensação que eu senti ao ler aquelas palavras não poderia ser comparada a nada que eu havia imaginado antes. Qualquer suposição não estava servindo como parâmetro para o momento.

Passado o momento da leitura daquelas palavras tão fortes, eu refleti: eu sou a mulher da vida de um homem que não foi nem é o homem da minha vida. E mais, eu nem queria ouvir isso dele.

Fiquei perplexa, espantada, assustada, querendo entender o porquê daquela declaração e por que ela havia provocado, em mim, um sentimento de repulsa e pena.

Seria pelo motivo de eu não querer ouvir isso dele porque nosso tempo já passou. Cada um seguiu um rumo e desde aquele dia eu não sou mais a mesma. Eu não esqueci o que aconteceu, mas essa parte do passado não é lembrado como o meu momento de glória. 

Pode ter sido, talvez, porque essas palavras foram ditas tarde demais. Sim, existe o "tarde demais" para as declarações. Visões românticas da vida, em determinados momentos, só servem para mascarar a realidade. Não gosto de máscaras.

Ou, quem sabe, essas palavras mexeram tanto comigo por eu saber que não sou a mulher da vida dele e, por isso, me sinta na obrigação de explicar para o cidadão este pequeno detalhe, porque ele não quer enxergar a realidade.

Qual foi minha resposta depois dessa declaração? Uma enorme risada acompanhada da frase "você só pode estar louco, querido!" e fechei a conversa. É que, além de tudo e no fim das contas, eu não sei lidar com declarações.


26 outubro, 2015

Dor amputada

O tempo passou voando e o passado voltou às pressas trazendo velhos e conhecidos estragos.

A ferida está aberta, novamente.

Sem suturas, sem remédio para cicatrizar, mas, mesmo assim, não dói. O costume fez parar de doer.

E quando a gente se acostuma com a dor, parece que tudo vai bem; a impressão é de que a ferida nem existe.

Na verdade, ela se tornou mais um membro desse corpo cansado e acostumado com danos, com tragédias.

Não é um tipo de membro fantasma. Na verdade, é bem real. No entanto, imperceptível aos olhos menos sensíveis e mais desacostumados com a dor alheia.

Só se percebe a ferida quando se está relaxado, quando alguém, de bobeira, encosta e, sem querer (?), vai perfurando o ferimento trazendo sua companheira, a dor, de volta.

Machuca. Sai sangue.

A dor adormecida/habituada retorna como no dia após a perfuração, sem aquela adrenalina que impede de enxergar e sentir a realidade.

Passagem direta para o hospital.

Precisa-se de internação.

Ferida mal curada causa amputação.

18 agosto, 2015

Manifesto Solitário

Minhas manifestações não têm tamanho de boneco gigante, mas também não têm a força de uma marolinha.

Manifesto liberdade, paciência, tolerância e esperança. Não preciso sair às ruas para isso. Não preciso de números exatos ou estimados. Eu sou minha própria comissão (des) organizadora.

Visto verde e amarelo na Copa e quando quero exaltar a natureza.

Bato prato e panela na mesa, na hora do almoço. Grito "FORA!" pros corruptos de amor, ladrões de bom senso e bem estar.

Faço plebiscito pedindo o impeachment da arrogância e da prepotência que massacra autoestimas diariamente.

Manifesto minha vontade de viver sem medo de atender o celular na rua e de me apaixonar por desconhecidos ao menos duas vezes no dia.

Quero manifestar meu sorriso torto a todas as pessoas direitas e esquerdas.

Manifesto solidariedade a quem precisa de ajuda, manifesto repulsa a atos de ódio e preconceito.

Quero ter o direito de deixar pra lá quem exerce na minha vida a vez de sanguessuga.

Manifesto minha ojeriza a parasitas.

Manifesto desprezo aos extremos e amor aos consensos.

Manifesto tudo isso na esperança que meus gritos ouçam meus pensamentos.

09 junho, 2015

Deixa ser

Deixa o coração bater forte, menina
Deixa a vida te guiar.
Deixa o sol queimar tudo, menina
pro mal não alcançar.

Deixa a lua iluminar, menina
pra ver onde pisar.
Deixa a luz apagada, menina
pro mal não te enxergar.

Deixa ser tudo o que for
se for pra tudo ser bom.
Deixa te guiar o amor
do jeito que for será melhor.

Deixa a lágrima escorrer, menina
isso vai aliviar.
Toda dor que é dor, menina
só vem pra acrescentar.

Deixa ser tudo o que for
se for pra tudo ser bom.
Deixa te guiar o amor
do jeito que vir e que for
será melhor.

27 maio, 2015

Por amores acessíveis

Estou em busca de um amor acessível. Um amor que me deixe passear entre suas veias. Que me veja circular por todas as suas artérias e que faça o mesmo comigo.

Estou cansada de amores escada rolante que fingem ser práticos, mas que, na verdade, escondem perigos entre seus degraus e me impedem de locomover.

Tenho enjoos só em pensar num amor que me faça escalar grandes alturas para conquistá-lo.

Ou daqueles que parecem ser bonitos e habitáveis, porém são inacessíveis para quem tem limitações motoras.

Quero um amor que me mostre o acesso até ele, mas que me instigue a andar, apesar das limitações; que seja claro, mas que apresente algumas curvas para que eu possa sentir a adrenalina dos desafios de querer chegar ao ponto final.

Chega de amores ônibus sem elevador para cadeirante. Chega de amor escada rolante. Chega de amor calçada sem rampa. Chega de amor prédio sem elevador, banheiros não projetados. Chega de amor sem acessibilidade.

***

Coração cadeirante procura amor com rampa de acesso.

19 fevereiro, 2015

Sobre desfazer laços

Chegou a hora de desatar os laços, os invisíveis, aqueles que só você sabia que existiam. Justo eles que são os laços mais bem dados, os mais bonitos, os que mereciam continuar e serem vistos. Justamente esses que você não quer desfazer - preferiria manter, se não fosse a situação embaraçosa na qual se meteu - são os que mais doem.

Como desatar se você não sabe onde está a ponta do laço? Tudo ficou tão emaranhado por dentro que você não sabe mais por onde começar a puxar. Se fosse câncer, teria sido elevado para uma metástase. Afetou tantas partes do corpo que você se agarra ao dedão do pé - uma das poucas partes que não foram infectadas.

Sem saídas, você chamou a dor pra desfazer o que parecia não ter solução. Como ela chegou devastadora, foi cortando todos os pedaços do laço. Não foi procurando o melhor lugar por onde começar, ela apenas chegou e foi fazendo seu trabalho. Você não podia se defender, nem amenizar a dor. O jeito foi deixar ela trabalhar.

Fim. Laços desfeitos, mas não se sai ileso a um desatar dessa proporção: outras dores já conhecidas e motivos antigos voltam a habitar em você, enquanto lágrimas novas escorrem com grande velocidade pelas cachoeiras dos seus olhos para não voltarem mais.

Com o tempo você percebe que a solução para isso é se redescobrir e se preparar para criar novos laços. Mas, até lá, você vai pensar duas vezes em tirar o cadarço da gaveta.
 

26 janeiro, 2015

Dos merecimentos



Uma palavra é pouco pra quem espera por um dicionário inteiro. Um acorde parece nada pra quem espera uma orquestra tocando uma sinfonia em sua homenagem. Uma música é insignificante pra quem espera por um CD de 15 faixas. Uma pétala é pouco pra quem quer um jardim. O mundo parece nada pra quem quer o universo à sua disposição.

Tem tanta gente sendo feliz com pouco. Em compensação, há pessoas que sofrem por querer demais, que não se contentam com o que tem ou não tem. Com o que lhe é permitido possuir, com o que merece receber em troca.

Seria um desperdício dar uma constelação inteira pra quem não sabe apreciar o brilho de uma estrela solitária. Ninguém deveria desmerecer um sorriso cheio de carinho porque esperava uma declaração com palavras e orquestra. Quem não ouve sinos tilintando quando vê a pessoa que gosta não pode receber dela mais do que oferece. As pessoas querem aplausos quando, na verdade, deveriam aplaudir.

Todos merecem receber a luz dos holofotes uma vez ou mais que duas vezes na vida. Todos merecem ser amados de verdade, receber carinho aos montes; se não conseguir ter um poema ou um conto em sua homenagem, ao menos alguém que tenha a coragem de escrever uma carta do modo antigo, com caneta e papel – sabe-se que são poucas as pessoas que se mostram através de sua caligrafia num mundo tão digital.

Os que chegam ao topo de elevador não conhecem os benefícios de construir uma escada com degraus seguros. Ninguém deve oferecer mais do que tem, nem deve ganhar mais do que precisa. Não falo de comunismo, socialismo ou comunidade fraterna. Falo de bom senso, de ser sensível consigo mesmo e com o outro.

Se a grama do vizinho é sempre mais verde, deve ser porque ele cuida dela e ela entende que deve retribuir dessa forma. É hora de olhar pra grama que cresce desordeiramente no nosso quintal.