16 junho, 2013

Licença

Quando ele se foi, eu coloquei, com jeitinho, a chave de casa na sua mala. No outro dia, ele me disse que a encontrou e que devolvia assim que desse.
O tempo passou. 
Fui arrumando a casa, aos poucos. Tirei a poeira do quarto, troquei os livros de lugar. Mudei o sofá e as cadeiras.
Organizei minha vida pra aprender a viver sem a dele.
Apesar disso, nunca troquei a fechadura da porta, na esperança de que ele voltasse. Pra dizer oi, quem sabe; pra devolver a chave, mesmo que isso me doesse; pra me dizer desaforos; enfim, eu esperava uma visita.

E o tempo passou, obedecendo a regra óbvia da finitude dos tempos.
E um dos acasos que o destino traça em nossas vidas fez com que, um dia, ele voltasse. Repentinamente. Descuidado. Despreocupado. 
Bateu na porta e pediu licença pra entrar. Mas, pedir licença por quê?

"Você sabe que não precisa pedir licença pra entrar; você tem a chave. É só chegar na porta e abrir. E você também sabe que ainda manda aqui. 
Aqui em casa. Aqui, dentro de mim."


De início, cauteloso, me mostrou a chave e a colocou sobre a mesa. Depois, seguro de nós, ocupou o lugar que sempre lhe pertenceu. 

Antes de ir, ele pegou a chave e guardou no bolso. Saiu olhando pra trás e disse até breve.

...

Nada voltou a ser como antes. Nada. Situações embaraçosas continuam acontecendo. Mas ele sabe que tem um endereço certo e seguro. 
Hoje, ele mesmo trocou a fechadura da porta. Deixou uma chave comigo. A outra ele levou porque, caso eu perca a minha, eu sei onde estará a reserva. E...
Com licença. Ele chegou.

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